Poesia Evangélica |
Um sermão sobre a Poesia - Israel Belo de Azevedo Posted: 01 Apr 2019 12:30 AM PDT POESIA: VIDA E ADORAÇÃO (Salmo 104) Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 11.3.2001 (noite) http://www.prazerdapalavra.com.br A linguagem humana tem sido empobrecida pela ausência da poesia. Num mundo marcado pelo imediatismo e pelos artefatos da tecnologia microeletrônica, há poucos espaços para a imagem poética, necessariamente profunda e às vezes aparentemente sem utilidade. No entanto, os poetas são mais importantes que os desenvolvidos pelos criadores de tecnologia, que nos fazem fruir a vida, mas não nos ajuda a entendê-la. Podemos dizer que a poesia ficaria relegada a livros de tiragens ridículas, não fosse a música, que tem sua poesia própria (a melodia) e se encontra com a poesia propriamente dita através das letras usadas. As canções, no entanto, são poesia, mas um outro tipo de poesia. No meio cristão, passamos pela mesma experiência. A poesia vem perdendo espaço, mantida por meio dos hinos, que também são um tipo de poesia. Nós somos um povo musical, como o de Israel o era, como nos lembra o profeta Amós: Vocês fazem músicas como fez o rei Davi e gostam de cantá-las com acompanhamento de harpas. (Amos 6.5) 2. ENRIQUEÇAMO-NOS COM A IMAGINAÇÃO POÉTICA Não podemos, diante deste quadro, nos esquecer que a Bíblia, o livro pelo qual pautamos as nossas vidas, é um livro de expressão poética. Se não entendermos esta sua característica, teremos dificuldade para ouvir Deus falando. Tomemos alguns dos grandes salmos. O salmo 1 não diz simples que a felicidade consiste em viver de forma reta diante de Deus, mas usa imagens para descrever os ímpios e para pintar os justos. Assim, Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem sucedido. (Salmo 1.1,3) A pessoa temente a Deus não é uma árvore, mas é como se fosse, diz-nos a poesia. O salmo 19 retrata a glória do Senhor com imagens poéticas majestosas: Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói. (Salmo 19.1-5) Como o firmamento anuncia, se não tem boca? Como um dia discursa, se não tem língua? Como a natureza, que não tem som, faz ecoar a palavra de Deus? Como pôr uma tenda para o sol? O salmo 23 é poesia pura, desde o princípio. O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma. Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam. (Salmo 23.1-4) O que é repousa em pastos verdejantes e ter um pastor, se não somos gado? O que é ser guiado pelas veredas da justiça? Como receber consolo de um bordão e de um cajado? Estes poucos exemplos bastam para mostrar que não dá para entender alguns capítulos senão com a imaginação. Precisamos, portanto, de imaginação poética para fruir melhor a Bíblia. Se não, como admiremos também a existência de uma sarça que não se consome ou de uma estrela que percorre o firmamento para guiar os magos? Se não, como entenderemos a oração de Jesus pedindo pela passagem do cálice? Como entenderemos a descrição que o livro de apocalipse faz do céu? como uma Cidade Santa, a nova Jerusalém, que descia do céu. Ela vinha de Deus, enfeitada e preparada, vestida como uma noiva que vai se encontrar com o noivo, (...) brilhando com a glória de Deus. A cidade brilhava como uma pedra preciosa, como uma pedra de jaspe, clara como cristal. [Nela, não havia templo,] pois o seu templo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, e o Cordeiro. A cidade não precisa de sol nem de lua para a iluminarem, pois a glória de Deus brilha sobre ela, e o Cordeiro é o seu candelabro. (Apocalipse 21.2, 11, 23, 23) Só podemos usufrir da riqueza do livro de Apocalipse por meio da imaginação poética, a mesma que Deus inspirou a autor bíblico. Nem todos precisamos ser poetas, mas todos precisamos de um pouco de imaginação poética para penetrar na riqueza da Palavra de Deus. 3. VALORIZEMOS A EXPRESSÃO POÉTICA A poesia é uma das formas mais apropriadas para se falar da vida. Os livros de Jó, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos são uma demonstração viva desta realidade. Há na Bíblia expressões poéticas acerca do sofrimento, como esta: A minha harpa se me tornou em prantos de luto, e a minha flauta, em voz dos que choram. (Jó 30:31) Há, na Bíblia, inclusive expressões poética de exaltação ao amor erótico, entre um homem e uma mulher, como em Cântico dos Cânticos, uma das quais sendo a seguinte: O inverno já foi, a chuva passou, e as flores aparecem nos campos. É tempo de cantar; ouve-se nos campos o canto das rolinhas. Os figos estão começando a amadurecer, e já se pode sentir o perfume das parreiras em flor. Venha então, meu amor. Venha comigo, minha querida. (Cântico dos Cânticos 2.11-13:) A poesia é uma das formas mais adequadas para se falar de Deus e para se exaltar a sua excelsitude para conosco. O que é o seu nome "Emanuel" se não uma expressão poética? Como um Deus pode se apresentar como "Eu sou o que sou", se não pela imaginação poética. Os salmos, uns musicados (e é pena que tenhamos perdido as suas melodias), outros não, são essencialmente cânticos de louvor, isto é, exaltação, a Deus. Nós os apreciamos porque falam de nós mesmos, nossas dores e dúvidas, mas também porque falam de Deus, de sua glória, isto é, de sua beleza, e de sua graça, de seu amor para conosco. Um dos pontos altos da expressão poética do Antigo Testamento é o salmo 104, todo escrito em forma de imagens poéticas. Bendize, oh minha alma, ao Senhor! Senhor, Deus meu, como tu és magnificente: sobrevestido de glória e majestade, coberto de luz como de um manto. Tu estendes o céu como uma cortina, pões nas águas o vigamento da tua morada, tomas as nuvens por teu carro e voas nas asas do vento. Tomaste o abismo por vestuário e a cobriste; as águas ficaram acima das montanhas; à tua repreensão, fugiram, à voz do teu trovão, bateram em retirada. Elevaram-se os montes, desceram os vales, até ao lugar que lhes havias preparado. Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas. Todos esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se fartam de bens. Se ocultas o rosto, eles se perturbam; se lhes cortas a respiração, morrem e voltam ao seu pó. Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da terra. A glória do Senhor seja para sempre! Exulte o Senhor por suas obras! Cantarei ao Senhor enquanto eu viver; cantarei louvores ao meu Deus durante a minha vida. Seja-lhe agradável a minha meditação; eu me alegrarei no Senhor. (Salmo 104.1-3,6-8,24,27-31,33,34) Os poemas de exaltação a Deus nos levam à Sua presença, para contemplar a Sua glória: Oh profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Romanos 11.33-36) Não há, portanto, uma dicotomia entre poesia e fé. A fé diz "eu creio em Ti, Senhor "; a poesia crente anota: "meu coração se lança sobre as tuas costas, Senhor". A fé afirma: "guarda-me, Senhor"; a poesia bíblica escreve: esconde-me à sombra das tuas asas (Salmo 17.8). A fé exalta: Como é preciosa, oh Deus, a tua benignidade! a poesia aprofunda: Por isso, os filhos dos homens se acolhem à sombra das tuas asas. (Salmo 36.7) A fé pede: Tem misericórdia de mim, oh Deus, tem misericórdia; a poesia consagrada enriquece: pois em ti a minha alma se refugia; à sombra das tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades. (Salmo 57.1) Para que usufruamos da poesia enquanto expressão de nossos sentimentos e desejos mais profundamos precisamos valorizar a expressão artísticas, precisamos nos educar para a poesia, precisamos nos expressar por meio da poesia. 1. Precisamos valorizar a expressão poética. Cada um de nós deve buscar formas artísticas para expressar nossos sentimentos (de tristeza e de alegria), nossos desejos e nosso louvor. A Bíblia reconhece o valor da expressão artística, e um dos exemplos está no livro de Samuel. E sucedia que, quando o espírito maligno, da parte de Deus, vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa e a dedilhava; então, Saul sentia alívio e se achava melhor, e o espírito maligno se retirava dele. (1 Samuel 16:23) Você está triste, ouça uma canção que anime o seu coração. Você está agitado, entre numa galeria de arte ou numa exposição para ver as obras dos outros. Você está com a auto-estima lá embaixo? leia o poema 8 do livro dos salmos. Você está excessivamente autoconfiante? leia o poema de Paulo aos filipenses (capítulo 2). 2. Precisamos nos educar para a poesia. Para fruir a poesia, temos que nos educar para a poesia. Precisamos entender que a poesia é uma outra maneira de dizer as coisas. Precisamos reconhecer que ler poesia nos torna menos duros, menos amargos, menos pesados; mais sensíveis, mais agradáveis e mais leves. Educando-nos para a poesia, leremos melhor e escreveremos melhor; mais que isso, entenderemos melhor a Palavra de Deus a nós. Para tanto, leiamos a poesia bíblica, leiamos a poesia secular (principalmente brasileira), leiamos a poesia evangélica (embora escassa). 3. Precisamos nos expressar por meio da poesia. Só ela nos permite dizer o que não cabe na boca nem no discurso narrativo. A poesia é bonita de mais para ficar só com os poetas. A poesia é profunda demais para ficar só com os poetas não cristãos. Precisamos escrever poeticamente. A poesia cristã precisa estar nos livros, nas praças e nos teatros. Precisamos de poesia cristã de qualidade, mesmo que perca parte de seu didatismo ou homiletismo. Aos poetas jovens, de qualquer idade, leiam muita poesia e escrevam. Escrevam muito, reescrevam muito. Sejam humildes e ousados, ao mesmo tempo. Sejam os melhores poetas. Orem a Deus em busca de inspiração. Vejam o que os outros fazem e façam melhor. 4. CONCLUSÃO O mundo precisa de poesia. Vamos dar poesia ao mundo. A poesia também se ressente da corrupção do gênero humano. Nós podemos falar da redenção, também sob a forma poética. Foi o que o apóstolo Paulo fez no grande teatro ao livre de Atenas. Depois de ver as expressões poéticas do povo, espalhadas pelas ruas e pelos templos, ele assim se expressou: Esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe; sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: "Porque dele também somos geração". Sendo, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e imaginação do homem. (Atos 17.24-29) O cristianismo precisa de poesia. Paulo, para nos ensinar o sentido da vida, sentido da vida que muitos cristãos temos perdido, nos abençoa com as seguintes palavras, carregadas de poesia: Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, [Ele] assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência, desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu, como as da terra; [pois em Jesus] fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória. [Ele] pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas. (Efésios 1.1-14, 22-23) ISRAEL BELO DE AZEVEDO |
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